Impossível passar ileso da leitura de "quem matou meu pai".
Quem matou meu pai mescla o gênero de romance e autobiografia, trazendo essa dinâmica tortuosa entre pai e filho. Nessa mescla de gêneros, também se mesclam amor e raiva para com o pai que transmite algo para o filho: da sua relação com o masculino.
A escrita do autor é fluida, e fala dessas complexidades de uma forma acessível. Acessa memórias que transcendem as páginas do livro, te convidando a acessar memórias que talvez a comunidade LGBTQIAPN+ partilhe.
Uma que me tocou muito foi a da apresentação/show. Os amigos do pai vieram visitá-lo, algo que não era comum. Num entusiasmo, o filho com seus amigos decidem fazer uma apresentação para cativar os presentes. O filho decide se apresentar como a mulher de um grupo musical. O olhar do pai se mostra distante, desatento. O olhar do filho clama por esse olhar do pai. Até que o pai sai de cena, vira as costas, vai fumar um cigarro.
É bonito e de uma sutileza a forma com que o autor descreve. As memórias da cena são como recortes, e vão se apresentando ao longo da leitura de forma não linear com a narrativa. Uma insistência da memória, que vem recortando a narrativa. E de como o filho insistiu com o pai.
Há uma costura nisso de cunho social, de como o Estado desistiu do pai trabalhador, de como as políticas eram (são!) feitas por ricos e para os ricos. Que um aumento de alguns euros em um programa de auxílio para compra de material escolar colocaria a família em festa, a festejar na praia. “Entre aqueles que têm tudo, nunca vi uma família ir à praia comemorar uma decisão política, porque a política não os afeta em quase nada.”
Essas invisibilizações do pai, do filho e do Estado mostram que, para alguns, a política não se trata de um dispositivo estético - e aqui acho que vale retomar o título do livro: “quem matou meu pai” também retrata que, para alguns, a política significa viver ou morrer.
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